Cidades dinâmicas atraem mais talentos
As empresas estão a competir de uma forma diferente. Estar onde estão as ideias e a inovação tornou-se imperativo. Os talentos criativos também já não trabalham em qualquer sítio. Querem estar onde está a acção e onde o seu trabalho é valorizado, como se demonstrou na conferência “Criatividade nas Cidades”, que contou com a presença de Irene Tignali, co-autora do livro “A Europa na Idade Criativa” POR LUIS BATISTA GONÇALVES
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»» Pittsburgh, na segunda metade dos anos 80, perdeu muitos empregos, na sequência do encerramento de muitas fábricas. Nessa altura, foram muitas as empresas que deixaram esta cidade norte-americana. Quando, anos mais tarde, se aperceberam de que a Lycos, uma empresa criada com tecnologia da Universidade de Carnegie Mellon, se preparava para mudar para Boston, as autoridades locais fizeram tudo para demover os seus responsáveis. Deram-lhes um novo edifício, dispoilizaram-lhes tecnologia e mão-de-obra qualificada e puseram praticamente toda a cidade a viver em torno deles.
Ainda assim, uns tempos depois, a empresa acabou mesmo por se mudar. Mais do software e programadores, a Lycos precisava de estar onde as ideias estavam a ser criadas, onde estava a acção!
“As coisas mudaram na forma como as empresas competem no mercado. Hoje, a tecnologia é a base de tudo, mas é preciso mais. Quando temos a tecnologia, precisamos de criatividade para a saber usar e explorar”, referiu, na passada quinta-feira, em Lisboa, Irene Tignali. A co-autora do livro “A Europa na Idade Criativa” esteve em Portugal a convite do Grupo Adventus para participar na conferência “Criatividade nas Cidades”, que teve lugar no Auditório do INDEG/ISCTE.
Irene Tignali disse também que não foram só as empresas que mudaram. Os próprios trabalhadores são hoje diferentes do que eram no passado. Antes, as pessoas deslocavam-se para onde havia trabalho. Hoje, já não é bem assim. “Os trabalhadores mais qualificados não querem um emprego só para ganhar para comer. Querem mais do que um trabalho e um salário. Querem um emprego onde se possam exprimir, usar as suas ideias e a sua criatividade. Querem estar num sítio onde possam ter uma vida que os estimule, daí a importância do que a cidade tem para oferecer”, garante.
É por isso que afirma que a sua localização interessa e muito. “O local é importante. As cidades têm um novo papel nesta nova geografia. Estamos sempre muito preocupados com o que podemos fazer para atrair as empresas, mas nunca com o que devemos fazer para atrair novos talentos”, lamenta.
Cidades sem políticas de atracção de talentos estão condenadas à periferia Bill Gates é o exemplo de uma nova geração de trabalhadores que não terminaram a universidade porque estão permanentemente ocupados a pensar noutras coisas. “Estas pessoas dão valor a uma empresa, a uma cidade e a uma economia”, refere Irene Tignali.
Esta investigadora participou num estudo que envolveu 200 cidades e chegou a uma conclusão. As que registam uma maior concentração de talentos são geralmente as que têm mais artistas, mais boémios, mais homossexuais e mais cidadãos estrangeiros. “Uma cidade para crescer e ser próspera precisa de Talento e conhecimento que possa ser transformado, Tecnologia que lhes permita fazer coisas e Tolerância, uma abertura a todas as ideias. Tem de ter uma atmosfera cultural que estimule as pessoas e lhes permita serem criativas”, defende esta consultora italiana, que também trabalha no Departamento de Economia e Assuntos Sociais das Nações Unidas.
Talento, Tecnologia e Tolerância são os indicadores que serviram de base ao estudo e ao livro “A Europa na Idade Criativa”. Segundo este, 30 por cento dos trabalhadores europeus já fazem parte dessa classe criativa, uma nova classe de trabalhadores que quer tirar o máximo partido do que faz. “É necessário criar comunidades urbanas sustentáveis pelos seus recursos humanos. Estes não podem ser vistos no sentido antigo. Têm que ser vistos pela sua diversidade”, defendeu Jorge Nascimento Rodrigues, coordenador da Revista Portuguesa e Brasileira de Gestão editada pelo INDEG/ISCTE e director do Grupo Adventus.
“A disputa do talento é cada vez mais decisiva. Têm que haver políticas públicas e privadas muito claras para atrair esses talentos. As cidades que não o fizerem serão condenadas à periferia”, referiu.
Investimentos em Lisboa com pouca visibilidade no exterior De acordo com o estudo “A Europa na Idade Criativa”, onde Portugal aparece praticamente sempre em último lugar em todos os índices que foram elaborados, Lisboa acaba por ser, por inerência, a capital europeia mais mal classificada. “A avaliação de Portugal foi um choque”, confessa Jorge Nascimento Rodrigues.
Sendo Lisboa a cidade que concentra a maior massa crítica do país, e a única cidade portuguesa à escala europeia capaz de competir com Madrid e Barcelona, estar no fim da tabela não augura nada de bom para o futuro do país.
Valência e Bilbao têm vindo a posicionar-se como novas regiões de desenvolvimento e Portugal não mostra sinais de estar a preparar medidas e estratégias para lhes fazer frente. “Ou há capacidade em Portugal de desenvolver uma Área Metropolitana de Lisboa que potencie a diversidade e o talento ou, daqui por cinco anos, com a entrada dos países de leste na UE, muitos com um conhecimento maior do que o nosso, não sei em que lugar do ranking é que vamos estar”, adverte.
Tendo em conta os dividendos dos investimentos feitos em Lisboa nos últimos 10 anos, com a reconversão urbanística de toda a zona oriental da cidade para a Expo 98, as perspectivas não são animadoras. “Portugal tem feito grandes investimentos para tornar a cidade mais cosmopolita, multi-étnica e multi-racial, mas quem nos olha de fora, e a prova está nos rankings que são permanentemente feitos por entidades competentes, continua a não ver o salto. Isso é preocupante. Madrid e Barcelona passaram a fazer parte das 15 cidades mais cosmopolitas do mundo, mas, nos últimos seis anos, quem nos observa de fora não se deu conta da nossa mudança. Apesar do esforço feito, não conseguimos descolar”, lamentou um membro da assistência que se dirigiu a Irene Tignali.
Portugal ainda tem cidades sem saneamento básico garantido Além de debater a problemática da competitividade na economia criativa, a conferência “Criatividade nas Cidades” serviu também de base à assinatura de um protocolo entre o INDEG/ISCTE e a Secretaria de Estado da Administração Local. Em causa está um projecto de cooperação que visa aumentar o grau de qualificação dos funcionários das autarquias locais.
“Portugal está atrasado em relação às questões que aqui se colocam. Temos algumas cidades que ainda não têm saneamento básico garantido”, lamentou Susana Viseu, adjunta do Secretário de Estado da Administração Local, momentos depois da apresentação dos resultados do Programa FORAL, um programa de formação para funcionários da Administração Pública que tem vindo a aumentar o seus níveis de escolaridade.
“Só através da formação poderemos melhorar o nível de talentos”, referiu ainda. pe
Irene Tignali em entrevista exclusiva
“Portugal tem que ser mais visível internacionalmente” |
Assistente em Políticas Internacionais na Universidade de Carnegie Mellon, em Pittsburgh, nos EUA, Irene Tinagli tem estado ligada, nos últimos três anos, a vários projectos de investigação nas áreas da criatividade, inovação e desenvolvimento regional. Em Fevereiro deste ano, em parceria com o famoso investigador Richard Florida, publicou “A Europa na Idade Criativa”, um livro que explica como é que a economia criativa está a mudar a competitividade europeia.
Nos estudos que fizeram para o livro “A Europa na Idade Criativa”, elaboraram uma série de índices. Portugal aparece praticamente sempre em último lugar em todos eles. Porque é que isso acontece? Efectivamente, Portugal não apresenta bons resultados nos três níveis analisados [Tecnologia, Talento e Tolerância]. É um país que tem um capital humano baixo e um número de investigadores pequeno. O índice de talento também é baixo, assim como a tecnologia e o investimento nesta. Portugal aparenta ser um país com uma cultura muito tradicional e isso também pode ser uma barreira.
A atitude em relação às minorias não é má. É boa, até! Mas não é suficiente. A abertura em relação à diversidade, à aceitação de maneiras diferentes de vestir e de se comportar e a tipos de criatividade diferentes não é tão grande quanto isso. Os nossos indicadores definem-vos como uma sociedade muito tradicional, burocrática e hierarquizada e estes são factores que iem a criatividade.
Ainda assim, conseguimos ser um país atractivo para os talentos criativos de que fala no livro? Portugal tem três ou quatro coisas que podem ser atractivas para essas pessoas. Estas geralmente apreciam a autenticidade de um sítio, o seu modo de vida, a sua arquitectura e isso Portugal tem e pode oferecer. Mas, para ser mais atractivo, conseguir trazê-las para cá, mantê-las aqui e incorporá-las no seu sistema produtivo, tem de ter melhores universidades e melhor investigação. É daí que se retiram dividendos.
Portugal precisa de um sistema industrial mais moderno, com melhor tecnologia e infra-estruturas tecnológicas. Este é o tipo de coisas que podem atrair estas pessoas. Se quisermos que elas venham e fiquem, temos de lhes proporcionar empregos qualificados de qualidade e não existem assim tantos em Portugal. O vosso país também tem que ser mais aberto e mais visível internacionalmente.
Este tipo de trabalhadores quer estar em locais abertos, com grande visibilidade externa. Querem sentir-se num sítio muito cosmopolita e internacional. Querem sentir que estão no centro do mundo e, como foi aqui referido [conferência “Criatividade nas Cidades”], Portugal nem sequer aparece em destaque nos principais rankings internacionais.
Diz no livro que Portugal e a Itália ainda não conseguiram dar o salto que lhes permite transitar para uma economia criativa e para uma economia assente numa estrutura de ocupação criativa. Na sua opinião, porque é que isso ainda não aconteceu? Não aconteceu porque a indústria tradicional teve um peso muito forte em ambos os países no passado. Em Itália, que é a realidade que eu conheço melhor, a indústria automóvel ainda é muito forte, mas está muito assente em trabalho muito pouco qualificado, que não implica muito conhecimento técnico. Este tipo de indústria é muito difícil de transformar. São geralmente empresas com muita gente, muito próximas do poder político, que funcionam com base num sistema económico muito tradicional, não baseado no conhecimento. Estes trabalhadores não são geralmente muito receptivos à mudança, porque não têm esse hábito interiorizado. É uma questão de educação cultural. Muito do nosso sistema económico está representado por empresas que produzem produtos tradicionais. É-lhes, por isso, muito difícil adaptarem-se a novas lógicas.
Os trabalhadores portugueses são criativos? Sinceramente, não lhe sei dizer. Para poder responder, devia conhecer melhor a vossa realidade. Dos dados estatísticos, o que emerge é que, se são criativos, não conseguem transpor essa criatividade para uma indústria de tecnologia moderna. A criatividade não é uma importante mola impulsionadora da vossa economia. Não lhe está subjacente. Se calhar, vocês até são muito criativos, mas a criatividade precisa de ser acompanhada de conhecimento tecnológico para que a economia possa dar o salto e não é isso que aqui se verifica.
Em Itália, nos anos 60, havia muita criatividade no sector da indústria automóvel e hoje o panorama não tem nada a ver com o que era.
O epicentro competitivo da Europa está a transferir-se das grandes potências tradicionais, como a França, a Alemanha e o Reino Unido, para um aglomerado de países escandinavos e do norte do continente europeu. Em que medida é que isto pode afectar Portugal, já que geograficamente esse epicentro está a afastar-se de nós? Não é fácil estabelecer uma relação e tirar daí ilações. Mas sobressai uma mensagem. Os países mais pequenos podem ser muito competitivos! Antes, os maiores tinham mais massa crítica, mas, hoje, com a tecnologia, ser pequeno pode ser uma vantagem. Estes novos países que estão agora a dar cartas mostram-nos que os mais pequenos podem ser muito competitivos e esta é uma boa mensagem para Portugal.
Se sobrevivermos à mudança e nos soubermos adaptar às novas realidades, podemos competir. A Irlanda é um país pequeno que, tradicionalmente, era muito pobre, e hoje é um dos tecnologicamente mais avançados e inovadores.
Na sua opinião, a globalização limita ou estimula a criatividade? Essa é uma questão interessante. Depende do que se entende por globalização. Se a encaramos como a possibilidade e a oportunidade dos indivíduos usarem as suas competências e o seu talento da mesma maneira em várias cidades do mundo, que é como eu a entendo, eu diria que a estimula. Um trabalhador de Tóquio ou Madrid que vá trabalhar para Nova Iorque leva para lá ideias diferentes. Quanto maior interacção entre pessoas de diferentes culturas houver, mais estimulada essa é. A diversidade estimula a criatividade.
Agora, se entendemos a globalização como a homogeneização da economia, eu diria que a estimula menos. Aliás, para ser franca, eu diria mesmo que não a estimula muito.
Temos Espanha, aqui mesmo ao lado, que apresenta resultados diferentes dos nossos. Há assim tantas diferenças entre os dois países? Os números do nosso estudo dão-nos a entender que Espanha está a investir mais em tecnologia e em pesquisa tecnológica. Eles têm lá grandes universidades e um maior número de trabalhadores qualificados. É um país com um maior nível de conhecimento e tecnologia e isso facilita a transição para uma economia criativa. Barcelona e Madrid também começam a ser cidades muito internacionais e isso acaba por dar-lhes uma maior visibilidade.
Esteve presente em Portugal numa conferência que serviu para assinar um protocolo que visa dar maior formação aos funcionários das autarquias locais. Este programa pode ajudar a estimular a criatividade que, segundo os responsáveis que aí estiveram presentes, é muito deficitária neste sector? Eu não estou muito bem dentro do assunto, porque a apresentação dos resultados do programa foi feita em português e eu não consegui apanhar tudo, mas penso que é importante investir nas pessoas e dar-lhes conhecimentos.
Mas, mais do que isso, estas pessoas precisam de espaço para serem criativas e é isso que tem de se lhes dar. Só dessa maneira é que podem fazer as coisas melhor e pôr em prática o que aprenderam. Para isso, tem que se mudar todo o seu mecanismo de funcionamento e os agentes políticos nem sempre estão dispostos a fazê-lo. Mas é sempre bom ensinar as pessoas e atribuir-lhes mais competências.
Além destes estudos e da investigação que tem feito, também trabalha como consultora em Gestão e Conhecimento no Departamento de Economia e Assuntos Sociais das Nações Unidas, em Nova Iorque. Em função disso, acaba por ter uma visão mais profunda dos problemas do mundo. Em relação a estas questões da criatividade, em que ponto é que estamos? Como é que vê as diferenças que existem? Se olharmos para o mundo como um todo, vemos que existem muitas diferenças. Há muitos países com défice democrático grande.
Se olhamos para os detalhes e para os vários padrões existentes, vemos que há muitos países do mundo em que ainda não há abertura política nem democrática. Há muitas pessoas privadas das suas necessidades mais básicas. Isso destrói o potencial de criatividade em qualquer parte do mundo. Se os povos africanos estivessem mais libertos desses constrangimentos, teriam um valor criativo muito maior. Temos que ajudar esses países a crescer, valorizando as pessoas como seres humanos. Isso é muito importante porque cada ser humano é criativo. Temos que encontrar maneiras dessa criatividade poder ser expressa e aproveitada.
Neste momento, estamos a tentar perceber como é que os povos menos desenvolvidos o podem fazer para andar para a frente e evoluir.
Acredita que esses países ainda podem dar o salto e evoluir ou o fosso em relação aos outros já é tão grande que não há retorno? As novas tecnologias estão a dar-lhes grandes oportunidades de desenvolvimento e penso que estes podem dar o salto. Estes países já não têm que fazer o mesmo percurso que os outros. Nós, para chegarmos aqui, passámos pela Revolução Industrial e por tudo o que veio a seguir. Estes podem dar o salto directamente. O problema é que, às vezes, os seus sistemas políticos não permitem que isso aconteça. Há muitas pessoas que ainda não têm acesso à educação. A sociedade de conhecimento está nas mãos de uma elite. Mas, se tiverem o apoio dos outros países, estes podem aproximar-se deles.
O livro que a trouxe a Portugal foi publicado no início do ano. Neste momento, o que está a fazer? Já está a preparar outros? Neste momento, estou a trabalhar com o Richard Florida na criação de um índice de criatividade global. Estamos a comparar 45 países seguindo a mesma lógica, analisando os três T’s [Tecnologia, Talento e Tolerância]. Saiu um artigo sobre este trabalho no último número da revista Harvard. Espero que este estudo esteja pronto em Janeiro ou Fevereiro do próximo ano. Não tenho tido muito tempo para me juntar com o Richard.
Além disso, também estou a fazer um trabalho sobre várias cidades italianas. Queremos analisar melhor a sua situação, o seu potencial de crescimento, seguindo o mesmo método, mas com mais indicadores. Como estamos a particularizar, necessitamos de mais informações.
Estamos também em contactos na Europa para expandir estas análises mais específicas a outros países. Espero que Portugal também venha a ser incluído. Teria muito gosto em trabalhar aqui. Estou também, juntamente com vários economistas, a lançar um escritório em Milão. Chama-se Creativity Group Europe. Depois, também queremos abrir um escritório em Amesterdão.
Para além disso, estou a começar a trabalhar com o Grupo Adventus, que tem escritórios em Lisboa. Esperamos poder vir a fazer algo juntos.
Para terminar, uma última questão: Nós transitámos de uma economia industrial para uma economia criativa. Qual vai ser a fase seguinte? Essa é uma excelente questão! Sinceramente, não lhe sei responder! Mas posso dizer-lhe uma coisa. Já não acredito que haja um retrocesso em relação a esta matéria.
A criatividade é hoje uma coisa extremamente importante. Antes, estava na posse de uma ou duas pessoas apenas. Hoje, está nas mãos de toda a comunidade. O próximo passo será alargá-la a todos os indivíduos. Eu acho que será esse o futuro e o facto de se valorizar a criatividade individual permitirá um progresso ainda maior.
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